22 de novembro de 2010

A Woman Under The Influence - John Cassavetes


"Most people don't know what they want or feel. And for everyone, myself included, It's very difficult to say what you mean when what you mean is painful. The most difficult thing in the world is to reveal yourself, to express what you have to... As an artist, I feel that we must try many things - but above all, we must dare to fail. You must have the courage to be bad - to be willing to risk everything to really express it all." 
John Cassavetes

Mariana Fortuna, nº612 - Uma das maiores grandezas das obras de Cassavetes é o facto de as personagens se constituírem gesto a gesto e palavra a palavra à medida que o filme avança - elas fabricam-se a si próprias. Cada progresso do filme permite-lhes um novo desenvolvimento do seu comportamento, a sua duração própria, coincidindo exactamente com a do filme. As personagens moldam a história, tal como na vida real, são as nossas acções e atitudes perante as coisas que alteram o percurso das coisas, também nos filmes do Cassavetes isso acontece. As personagens de Cassavetes, moldam também a sua história e criam a sua própria estrutura.
Nos seus filmes há sempre um momento de grande intensidade e um desabamento “controlado”. Exemplo disso é o filme A Woman under the Influence. Neste filme o momento de grande intensidade é sentido antes da personagem da Gena Rowlands (Mabel) ser internada e o desabamento controlado ocorre no final, em que Nick e Mabel se aceitam um ao outro como são e percebem que não querem viver um sem o outro . Eles constantemente dizem e fazem a coisa errada. Mabel acha que pode perdoar as traições do marido, simplesmente porque ela quer o bem da família e ama o seu marido e os seus filhos acima de tudo; Nick quer controlar a esposa e simultaneamente celebrando e permitindo a sua loucura. Eles tentam curar-se a eles próprios: Mabel oferece para se tornar em tudo aquilo que o Nick quer que ela seja, curada e que assim possa voltar para o seu controlo. A personagem de Nick volta-se sempre sobre si mesmo, em que tem por intenção fazer o que é certo e melhor para todos: de Mabel, da mãe, os seus filhos e seus empregados. Mas no fim, nenhum deles está curado de si, e os problemas e os conflitos continuam a ser tão fortes como antes, mas a vontade de avançar e continuarem juntos, a viver com as consequências de amarem demais, está bem estabelecido. Para falar sobre a arte da hipérbole humana em Cassavetes, devem-se referir uma palavra: demasiado. Viver muito, amar muito, sentir muito, e passamos a ser aquele tipo de pessoas do filme. De alguma forma, nem Mabel nem Nick, por todas as suas imperfeições, podem ser facilmente previsíveis. A cada momento, independentemente da eventual reacção às suas palavras ou acções, os seus rostos transmitem uma tempestade de contemplação que nós simplesmente não podemos imaginar. Eles podem ser confundidos por cada um deles, ou por eles próprios, mas eles sabem mais do que nós. O melhor que podemos fazer é prestar atenção, criar empatia e identificar como qualquer pessoa decente humilde o suficiente para saber que não sabemos nada melhor.
A cinematografia de Cassavetes permite ao espectador alargar perspectivas, permite ao espectador centrar-se não apenas numa coisa mas fazer uma análise, em tudo à sua volta. Cassavetes põem um pouco de si em cada personagem, em cada história e consegue com que cada um de nós se coloque lá também não apenas de uma maneira superficial, como aquela que nos é permitida olhar para as personagens, mas como algo mais, algo profundo que não se retira apenas do filme, mas das nossas experiências, daquilo que vemos como o real e até onde experimentamos os nossos limites.
Nada em Cassavetes é esperado ou vulgar, é simplesmente o encontro com uma experiência nova, mais do que experimentar o limite experimenta ajuda a chegar ao real. Torna-se uma experiência única, em que através de cada plano, sabemos aquilo que enquanto espectador ainda não nos é permitido ver mas sim ir descobrindo. É uma experiência que se constrói em si mesma, sustentada não apenas pela base da narrativa, que se encontra apenas no presente, mas através das personagens, das acções, dos gestos e do fora de campo. A visão das coisas em Cassavetes, não se aproxima nem do imaginário ou do utópico, é simplesmente uma visão real das coisas, um retrato de situações reais, com personagens que poderiam ser reais, que têm um discurso e uma construção estilística que seja credível não só para ele próprio mas como para os actores que interpretam as suas personagens, e que as tornam suas como com que vida própria.
Cassavetes é assim um realizador único que não se esconde, nem tem medo, simplesmente arrisca e com isso mostrou que o cinema não é algo linear, mas sim algo que pode ser moldado e ser mais do que aquilo que à primeira vista é visto pelo espectador.