“O Passado, a memória, a experiência constituem esse fundo de irrealidade que, semelhante a um feixe luminoso, aclara este momento de agora, revela como ele é cheio de surpresa, como já se destina à memória e é já essa incontrolável gramática sonhadora”
Herberto Helder
Uma das características mais vincadas de Alain Resnais passa pelo trabalho de criação do espaço/tempo ou então o tratamento deste espaço / tempo, se considerarmos que ele já existe. Regularmente as suas personagens são as personagens comuns do cinema moderno, mesmo nos seus últimos filmes, mantém-se a escolha de protagonistas comuns, com vidas comuns, que sofrem da monotonia geral do mundo. O homem moderno é o homem arruinado, ou que é constituído por tantos pedaços, que se torna um muro a ruir.
O que é mais importante reter em Resnais é perceber que o tempo e a sua manipulação não residem somente na narrativa, no argumento, mas também, e profundamente na sua forma de narrar, nos movimentos de câmara, uso do som, a montagem evidentemente, mas também os enquadramentos, actores e formas como reúne todos os componentes da linguagem cinematográfica para criar uma gramática mais própria. Criar tempo e espaço com gramática.
Sé Resnais é um construtor de espaços, que espaço é este do filme “Je t’aime Je t’aime”? Este filme retrata a história de um homem que tentou o suicídio e sobrevive, é escolhido por um computador para ser a cobaia de uma experiência científica que consiste em viajar no tempo, para o passado, por um minuto. Esta experiência corre mal e aquele minuto multiplica-se por vários ou então é um minuto demasiado longo e os cientistas acabar por lhe perder o rasto.
A nível da forma existem coisas muito interessantes, uma delas é que na maior parte das sequências até à viagem no tempo começar, não temos planos aproximados de Claude, contudo temos planos que parecem ser semi-subjectivos dele. Na sequência do táxi logo no inicio, só existem grandes planos dos cientistas, mais á frente mesmo na clínica, este é filmado ao longe ou de costas. Porém quando se inicia o sonho abundam planos aproximados dele, como se todo o filme fosse trabalho sobre o ponto de vista de um homem que diz estar morto. É como se no passado, Claude já se conseguisse olhar nos olhos, e podemos vê-lo, enquanto a câmara no presente não o pode ver, porque ele é apenas um corpo. O papel que Claude tem como espectador do seu passo é uma espécie de metáfora do Cinema, em que estamos sentados sem puder fazer nada, só a absorver o que acontece, mas no fim temos uma espécie de mistura, o efeito da droga já passou e ele continua a viajar, num vai e vem. O encontro com o rato que viajava ao mesmo, que ele, na praia é mais uma das brincadeiras de Alain Resnais com as metáforas biológicas e temporais. Outro aspecto interessante é sem duvida o facto de os cortes na realidade serem muito mais abruptos e secos do que os na viajem no tempo. O acaso neste filme é também evidente, por acaso o computador escolhe-o a ele, e por acaso Claude e o Rato encontram-se, entre outros.
Neste filme as imagens do passado não são tratadas de outra forma, são filmadas com a mesma textura e cor que as imagens do tempo presente. Esta escolha deliberada, o objectivo é que sejam ambas extremamente reais e presentes ao ponto de confundir o espectador. Isto coloca-nos a questão do poder da imagem, e do que está é e pode simbolizar em determinada sequência. Esta problemática é tratada pelo realizador em quase toda a sua cinematografia.
Com este filme de ficção cientifica de Alain Resnais pode querer-nos dizer que o ser humano é constituído na sua maioria pelas imagens, mesmo que reflexos, do tempo. As imagens que em nós permanecem mesmo depois da nossa ausência nesse tempo especifico.
Ana Costa nº 626