20 de dezembro de 2010

"The Atrocity Exhibition" J.G. Ballard

Como referi na última aula, penso que Ballard abordou muitas das problemáticas abordadas na cadeira. Decidi não escrever directamente sobre cinema no blog porque esta obra parece-me levantar questões essenciais a qualquer aluno de cinema.

“Internal Landscapes. Controlling the tremor in His left hand, Travis studied the thin-shouldered man sitting opposite him. Through the transom the light from the empty corridor shone into the darkened Office. His face was partly hidden by the peak of His flying cap, but Travis recognized the bruised features of the bomb pilot whose photographs, torn from the pages of Newsweek and Paris-Match, had been strewn around the bedroom of the shabby hotel in Earls Court. His eyes stared at Travis, their focus sustained only by a continuous effort. For some reason the planes of His face failed to intersect, as if heir true resolution took place in some yet invisible dimension, or required elements other than those provide by His own character and musculature. Why had he come to the hospital, seeking out Travis among the thirty physicians? Travis had tried to speak to him, but the tall man made no reply, standing by the instrument cabinet like a tattered mannequin. His immature but at the same time aged face seemed as right as a plaster mask. For months Travis had seen this solitary figure, shoulders hunched inside the flying jacket, in more newsreels, as an extra in war films, and the as a patient in a elegant ophthalmic film on nystagmus – the series of giant geometric models, like sections of abstract landscapes, had made him uneasily aware that their long-delayed confrontation would soon take place.”

Quem é pode ser este homem para além de um símbolo visual, de um dos muitos envolvidos numa Guerra não localizável, sem coordenadas, longínqua, de um outro universo inserido no nosso próprio mundo. Arrisco formular que a escrita fragmentária em Ballard (já que não existe uma ordem de leitura, cada parágrafo vale por si) prende-se com uma ideia de vivência fragmentária do mundo, que vive de linhas de fuga ao real através de ícones e imagens parciais e não objectivas do que é a globalidade. A própria geografia, história, comportamentos e reacções tornam-se fragmentários pela imagem fragmentária, mediática, que nos chega e a que temos acesso. Quão distante está o que se pode ver e a realidade objectiva? Baudrillard, no livro “A ilusão do fim”, afirma que um acontecimento ou um não acontecimento sobreexposto aos media é algo que será subexposto à memória. O que surge é uma amnésia veiculada através do ecrã, da fotografia parcial e manipulada - da noção de estarmos perto de tudo, em contacto directo com os acontecimento surge a imagem pornográfica e vazia que deixa de representar para passar a encenar. O símbolo passa a substituir o objecto, daí a importância que Baudrillard dá a Disneyworld em que há uma “prefiguração da inflexão real das coisas”, que congela uma ideia de real e que passa a viver por simulacros. Assim fica marcada uma alteração no homem moderno, que deixa de conseguir atingir a verdade ou uma realidade, que perde a história ou uma história. Baudrillard descreve esta impossibilidade de uma forma que teoriza o que Ballard ficciona, ao dizer que cada acontecimento impulsionado e difundido numa circulação total, é impulsionado para si só. A partir daqui um facto torna-se “atómico” seguindo um percurso até ao vazio. “Para ser difundido no infinito tem de ser fragmentado como uma partícula, assim podendo atingir uma velocidade de não regresso, que o afastará definitivamente da história”. Não existem lugares em Ballard, reina o não lugar sem tempo, que se mistura com outros espaços onde apenas é reconhecível um marco que também carece, ou que já perdeu, identidade ou significado. A questão da identidade dentro do livro é alguma coisa que já foi, o próprio homem aparece como um simulacro de um corpo. Com a constante referência a ícones como Marilyn Monroe, James Dean, Elizabeth Tayler ou Jack Kennedy, Ballard parece estar a fazer uma alusão a um novo inconsciente colectivo de tal forma saturado pelo símbolo que o incorpora irreflectidamente. Se pusermos lado a lado uma afirmação de Baudrillard e de Ballard percebemos facilmente esta ideia, tanto como a proximidade entre os dois.

Baudrillard : “...a passagem do espaço histórico para o espaço publicitário, passando os media a ser o lugar de uma estratégia temporal de prestígio... Foi assim que, com uma grande quantidade de imagens publicitárias, construímos uma memória de síntese que nos serve de referência primitiva, de mito fundador, e sobretudo nos dispensa do acontecimento real da revolução.”

Ballard: “The mass media created Kennedy we know, and his death represented a tectonic shift in the communications landscape, sending fissures deep into the popular psyche that have not yet closed”. Ballard – anotações de “Atrocity Exhibition”

Jack Kennedy aparece assim como um símbolo que não tem uma referência, que tem um carácter meramente iconográfico, libertando-se de qualquer relação com a pessoa que o gerou. Sob esta lógica de desprendimento Kennedy poderia nunca ter existido porque basta o acesso a uma formulação imaginada de uma identidade que é associada a uma cara / figura para que seja criada uma pessoa de raiz. Isto torna-se no expoente máximo da noção de Persona de Jung, porque a máscara aniquila a pessoa, substituindo-a, o que significa que o vazio ganha toda uma nova expansão, com uma tendência totalizante que caracteriza uma era que vive cada vez mais perto da noção de hiper-real em que “A simulação já não é a simulação de um território, de um ser referencial, de uma substância. É a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-real” . Ballard leva este hiper-real ao limite do apocalipse humano enquanto ser que pensa e sente por si. A própria experiência afectiva, ao tornar-se fragmentada, elimina-se em termos de pureza.



Maria Mendes nº 625

29 de novembro de 2010

The Development of Nonlinearity starting with Iñárritu's "Amores Perros" in 2000


Iñárritu, a Mexican born filmmaker gained international popularity with his first feature film “Amores Perros” in 2000. 

The film tells three different stories: One of a rich and successful model, one of a young man earning his money with dog fight and a third of a homeless old man working as a contract killer. The three stories are connected by a car accident along with the love for dogs. Even though these three people belong to different social classes in society, they are similarly depending on their dogs. 

The film has a very complex pattern since it tells three plots after another but with included crossovers from the other plots. This structure can be described as a multilinear plot since there are 3 different plots happening at more or less the same time but could also be defined as a muliperspective plot since the central event (the car accident) is seen from three different perspectives. 

Since that time nonlinear, elliptic or achronologic films have become more familiar to us since these patterns are increasingly used in popular cinema. Apart from David Lynch, films like Iñárritu’s third one “Babel”, Michel Gondry’s “Eternal Sunshine of a spotless mind” or Chistopher Nolan’s latest work “Inception” show that nonlinearity is not a genre feature any more. However, nonlinearity seems to become accretive simplified in order be understood by a broad audience.  

In 2001 Christopher Nolan created one of the most typical and complex films in the history of nonlinearity “Memento”. The film tells the story of a young man, whose wife was raped and killed in front of his eyes and who now tries to find his wife’s murderer. The nonlinearity is caused by the man’s mental defect which resets his memory every five minutes. In addition to that the film plot is told backwards.

In comparison to the former complexity of his works, a film like Inception seems fairly easy to be understood. A similar conclusion can be drawn regarding the development of Iñárritu’s works since his newest one “Babel” from 2006 doesn’t take a lot of effort from the viewer to be understood.

Moreover nonlinearity seems to have become a favored effect in most notably U.S. TV series. Lost (2004-2010) and Flash Forward (2009-2010) are examples for that. A reason for that could be the increasing number of viewers on the internet, where episodes are constantly available since the series mentioned above had rather little success when broadcasted. But the possibility to watch singular episodes again in order to follow the plot completely has supplied these series with huge popularity.



Sophia Heinrich
(Erasmus)

Breve reflexão sobre o cinema de Jean Rouch





Decidi abordar numa breve reflexão a obra de Jean Rouch pelo facto de se tratar de uma referência incontornável do cinema etnográfico e por aliar o documentário com a ficção nos seus filmes.
Na verdade, em todas as ficções existe uma componente etnográfica, quer pelo conteúdo, quer pela forma, há sempre uma relação com a experiência de uma cultura sugerida na história. A percepção de uma cultura compromete uma análise detalhada que requer a sensibilidade do etnólogo. A descrição etnográfica expõe a experiência do investigador no terreno numa linguagem que leva em conta a sua sensibilidade, as suas qualidades de observação e o seu ponto de vista criativo, face à realidade com que se confronta. È no conjunto destes factores que o etnólogo constrói um saber específico, característico do método antropológico. Na construção de uma linguagem, há a necessidade de estabelecer relações entre o conteúdo e a forma pela sensibilidade artística e visual do observador. Jean Rouch, síntese do antropólogo e do cineasta, foi buscar influências a Flaherty no método do olhar e a Vertov na mestria técnica.

A obra de Jean Rouch é geralmente conhecida em três categorias[1]: os filmes de “registo etnográfico” (Le Maître Fous); os filmes de “improvisação” (Jaguar, Moi, Un Noir) e os filmes de “ficção” (Gare du Nord, Cocorico Monsieur Poulet). Estas categorias representam o processo de Rouch para atingir a “verdade procurada”[2] conseguida por um processo de improvisação que se desenvolve a partir deste modo:

“O “outro” é retirado do seu contexto sócio-cultural imediato e envolvido numa situação extra-ordinária, ou seja, uma situação criada, desvinculada da sua vida quotidiana” [3]

Assim, Rouch estimula a auto - mise en scéne das personagens reais abdicando da mise en scéne do cineasta. A maior parte dos filmes etnográficos pretendia registar situações do terreno que aconteceriam independentemente da presença da câmara. Mas o método de improvisação de Rouch vem criar uma linguagem distinta do método do documentário antropológico: é a actuação da câmara e a consciência dela, por parte dos sujeitos observados, que condiciona a situação registada. É por este método que o personagem se liberta da condição de sujeito observado, tornando-se sujeito participante para a construção do personagem em conjunto com o cineasta. O que permanece como “verdade”, na obra de Rouch, é o processo que se desenvolve para atingir o objectivo de cada filme.

“Para mim a ficção é tão verdade como a realidade. A partir do momento em que aprendo as regras do jogo, que parecem absurdas, construo praticamente a improvisação total. (...) Em geral, os filmes que faço não têm nada a ver com o argumento que estava escrito. Para mim, o grande momento é a improvisação.”[4]

O plano sequência passou a ser possível quando apareceram as câmaras com uma autonomia de 10 minutos.[5] Depois de dominar a técnica, Rouch passou a treinar a improvisação do movimento, geralmente com objectivas grande angular. É crucial que seja ele o próprio operador de câmara, para a possibilidade de, sendo ele o primeiro espectador, poder refazer o enquadramento durante o percurso do plano. Rouch refere a importância do domínio da mímica no plano-sequência.[6] Para além do conhecimento prévio da cultura a ser filmada, pela investigação e trabalho de campo sobre ela, o observador tem de conseguir acompanhar o mínimo incidente dos personagens durante a filmagem.

“Nós andávamos de modo completamente anormal, pondo a ponta do pé antes do calcanhar (...) Outro elemento é amortecer estes movimentos.” [7]

Rouch foi o primeiro a testar nos seus filmes o Nagra, que permitiu a gravação do som síncrono com as imagens, ao mesmo tempo que apareceu a câmara silenciosa de 16 mm, Éclair, com a qual foi filmado Chronique d’un été.[8] Com a aplicação da evolução tecnológica nos seus filmes, Rouch passou a conseguir fazer um cinema que capta directamente a realidade. Estes novos materiais enquadram-se na filosofia do cinema directo e do cinéma-vérité, para a qual Rouch contribuiu ao abrir os ateliers Varan (1981), um atelier de “tomada de vistas directa”[9].

O mais motivante no estudo de autores que trabalharam com uma narrativa, é analisar experiências que tentaram sair da matriz mais eficaz de gestão de conteúdos. Rouch conseguiu-o, de certa forma, marcando uma postura em relação a toda uma tradição do documentário, resolvendo o problema da estrutura inicial dos filmes etnográficos e estabelecendo uma correlação entre um estudo antropológico e a ficção, fundamentada nos seus métodos de improvisação.


[1] Ver FREIRE, Marcius, Jean Rouch e a invenção do Outro no documentário, Universidade Estadual de Campinas, p. 58
[2] Ibidem, p. 55
[3] Ibidem, p. 61
[4]Ver entrevista a Jean Rouch in RIBEIRO, José da Silva, op.cit., p. 33
[5] Ver entrevista a Jean Rouch in RIBEIRO, José da Silva, op. cit., p. 37
[6] Ibidem, p. 31
[7] Ibidem, id.
[8] Ver FREIRE, Marcius, op. cit., p. 62
[9] Ver entrevista a Jean Rouch in RIBEIRO, José da Silva, op. cit.,p. 32


Rita Couto nº 623

28 de novembro de 2010

La soledad de Bagdad Café




Beatriz Copoví Puchades (ERASMUS)

Una mujer gorda y estirada discute con su marido y queda sola en una polvorienta carretera junto a las Vegas, en el desierto de Mohave, en los Estados Unidos. Está en medio de la nada, bajo el insoportable calor, y encuentra en el café Bagdad refugio, el comienzo de una nueva vida en la que parece haberse congelado el tiempo y los antiguos propósitos.

Con una narrativa muy poética, Percy Adlon presenta una película que a mi parecer transmite la soledad en esencia pura. Un continuo juego de luces, contrastes y colores y un conjunto de planos angulosos y sugerentes ayudan a evocar a la perfección la nada, lo olvidado, el paso del tiempo.

El café Bagdad es un lugar alejado, en medio de polvo y viento, en medio de cielos rosados y carreteras. Es un lugar de paso, un destartalado y humilde punto de encuentro en el que no parecen pasar los años, un microcosmos formado por una curiosa familia. Parece ser el hogar del vacío, de la carencia y frustración. Jasmine, la protagonista alemana, llega allí y se sumerge en ese oasis, influenciando poco a poco las vidas de los personajes que encuentra.

Los miembros de la familia que lleva el bar - personajes solitarios, insatisfechos y errantes que pasan el día discutiendo entre ellos, todos ellos genialmente caracterizados e interpretados - van evolucionando con la llegada de la huésped y transformando el frío de su soledad en cálidez y armonía, dejándose llevar por la necesidad humana del cariño.

En particular tiene un papel fundamental la dueña del bar-hostal, Brenda, con un fuerte carácter que en realidad no esconde más que frustración, con la que Jasmine entabla una relación muy especial.

En Bagdad café las palabras del magnífico guión parecen ser pintadas, las imágenes parecen lienzos. La canción principal, “Calling you” acompaña con mucho acierto muchas escenas de la película, en la que a todo momento suena el viento del desierto, en contraste con las alegres notas de un viejo piano.

El polvo que se acumula sobre los muebles, los desconchados de las paredes, los grandes camiones que cruzan a diario la carretera, todos los objetos viejos y estropeados que se amontonan en el hostal, los sucios cristales de las ventanas, los cables del tendido eléctrico, la gasolinera, la caravana, el paisaje vacío y árido, el horizonte infinito, las continuas escenas de atardeceres y de cambios de color en el cielo según pasan las horas, el ángulo irreal de la cámara en muchas ocasiones...Todos estos elementos del artdirection, así como la iluminación y el tratamiento de la imagen son de una soledad infinita, parecen incluso oler a viejo y a melancolía. Los fotogramas, como poesías visuales, nos hacen partícipes de la intemporalidad del viejo café de carretera.

“A desert road from vegas to nowhere,
some place better than where you've been.
A coffee machine that needs some fixing
in a little café just around the bend.
I am calling you, can't you here me?”

23 de novembro de 2010

AMADEUS = AMADO DE DEUS




Sinopse
Na Viena de 1871 vive o jovem músico e compositor Wolfgang Amadeus Mozart. Rebelde, virtuoso e abençoado por Deus com talento incomparável, é alvo de inveja profundo e cobiça por parte de Antonio Salieri.
Mesmo idolatrando Mozart, o compositor despreza o modo de vida do génio, a vida mundana e nada convencional para um compositor. Salieri  transforma Mozart em seu rival, desejando-lhe morte. Salieri humilhado com o talento insuperável de Mozart, planeia a sua miséria.







Amadeus, realizado por Milos Forman, com argumento original de Peter Shaffer é um filme biográfico que retrata um talento ímpar da cultura do século XVIII. Nunca nenhum filme biográfico foi tão longe.
Quando falamos de um filme sobre Música Clássica, pensamos imediatamente num filme tedioso, porém Amadeus pode ser visto por qualquer um, quer seja um fanático por música clássica, quer seja alguém sem qualquer fascínio por este tipo de música. O filme envolve qualquer espectador, conhecendo ou não as obras de Mozart. O filme contrapõe, ficticiamente, a procura fracassada de Antonio Salieri - o invejoso rival do compositor austríaco - pelo reconhecimento musical. Retrata, acima de tudo, a inveja e o profundo amor pela música. Elevando estes sentimos ao expoente máximo da loucura. Começamos sem saber quem é Mozart e terminamos obcecados pela dimensão do talento deste.
Milos Forman, vai mais longe dando vida à música através dos personagens, sem nunca esquecer nenhum dos lados. Este demonstra uma competência rara, ao criar uma cine-biografia de um dos maiores génios da história da música. Mas acima de tudo, ao retratar a loucura e a genialidade de Mozart.







Amadeus é um filme que desperta o lado mais transcendental da música de Mozart. A música de um homem para lá do seu tempo, que compôs e dirigiu operas que abordam temas intemporais e sentimentos perpétuos.
Esta escolha baseia-se acima de tudo, numa necessidade de sensibilização para este autor. A magnitude da experiência musical dissolve a individualidade do ser humano, elevando a experiência ao divino.


Don Giovanni, a ópera composta, com libreto de Lorenzo da Ponte, após a morte do mestre de Mozart - o seu pai.

DEIXO O LINK:       http://www.youtube.com/watch?v=z3Dpf_JeOkE&feature=related

Joana Queirós
nº622

22 de novembro de 2010

The Seventh Continent (1989)



“O principio de uma história de violência”
The Seventh Continent marca o ínicio da cruzada de Michael Haneke no cinema de ficção, que já conta com 11 longas metragens. O filme narra a história de uma família austríaca que comete suicídio colectivo: o patriarca da família Georg, a esposa Anna e a filha do casal Eva.

O filme está dividido em três partes, correspondentes a um dia na vida da família ao longo dos últimos três anos de vida. As duas primeiras partes – 1987 e 1988 – mostram em detalhe a rotina dos personagens. Uma família da classe média, presa a uma rotina imposta pela sociedade moderna, na qual se sentem desconfortáveis. No inicio de cada sequência Anna lê, em voice-off, uma carta que escreveu aos pais de Georg a informar o sucesso do marido no trabalho. A terceira parte começa após a visita dos pais de Georg. Desta vez é o próprio que narra a carta aos pais a informar que ele e a família vão partir para a Austrália. Hanake mostra, numa rotina suícida eles a despedirem-se do trabalho, fecharem a conta no banco levando todo o dinheiro, comprarem ferramentas,  informarem a escola de Eva que ela não vai poder ir à escola porque está doente, a venderem o carro e a destruir a casa com todos os seus pretences.

Michael Haneke procura colocar em oposição a cultura clássica e a cultura pop do pós-guerra. A cultura clássica, principalmente a música, desempenha a função de salvadora marginal, ocasionalmente complementada por traços mais humanos da sociedade industrial. Durante uma espécie de preludio ao suicídio da família, George vende o carro da família e a filha Eva, deambula pelo ferro velho onde decorre a transacção. Um espaço que remete para a decadência da sociedade burguesa, onde eles vivem e de onde querem sair. A determinada altura, Eva começa a parar e a olhar fixamente para um barco que está a passar num porto costeiro (que pode ou não existir), uma música clássica aparece discretamente, mas de uma forma completamente perturbadora, por ser a primeira música não diagética no filme. “The Memory of an Angel”[1] é uma peça extraordináriamente comovente e conscientemente desarticulada.

Este é também o primeiro filme da “trilogia da glaciação”, onde Haneke explora as rotinas e a suas quebras devido a actos de extrema violencia, que ganham importância através do foco dado a cada gesto. Uma das cenas de maior brutalidade ocorre quando os personagens, no “ritual de suicídio”, decidem colocar todo o dinheiro que tinham pela sanita a baixo, num longo plano pormenor na sanita onde o foco é o acto para muitos impensável, de uma violência imensa para com as pessoas que trabalham e tem por objectivo ganhar dinheiro e não o deitar fora. Caso esta cena tivesse a duração de de 5/20 segundos a mensagem nunca chegaria, seria mais um passo no processo de auto-destruição. Michael Haneke procura um cinema reflexivo, onde o espectador é livre de tirar as suas próprias ilações[2], dando o tempo necessário para “saborear” cada plano e desfrutar de uma forma, que ele procura ser real, a violência.
“People don’t like to be confronted with reality. They like to be confronted with a consumable reality. Even the most brutal violence is shown in a way that you can consume it so that you are thrilled, not touched. I always try to find a way so that people are touched too”[3]




Amélia Sarmento (2100638)

[1] BERG, Alban, The Memory of an Angel, Concerto para Violino, 1935.
[2] “The Quality of a film lies in the fact that can be interpreted in multiple ways.”, Michael Haneke an Interview, 19 de Fevereiro de 2008, Viena (extras do filme Funny Games US), The Essential Michael Haneke box-set, Artificial Eye 2009
[3] Entrevista de Michael Haneke à revista Time Out London, Dave Calhoun

"Je t'aime Je t'aime" 1969 - Alain Resnais


“O Passado, a memória, a experiência constituem esse fundo de irrealidade que, semelhante a um feixe luminoso, aclara este momento de agora, revela como ele é cheio de surpresa, como já se destina à memória e é já essa incontrolável gramática sonhadora”
Herberto Helder

Uma das características mais vincadas de Alain Resnais passa pelo trabalho de criação do espaço/tempo ou então o tratamento deste espaço / tempo, se considerarmos que ele já existe. Regularmente as suas personagens são as personagens comuns do cinema moderno, mesmo nos seus últimos filmes, mantém-se a escolha de protagonistas comuns, com vidas comuns, que sofrem da monotonia geral do mundo. O homem moderno é o homem arruinado, ou que é constituído por tantos pedaços, que se torna um muro a ruir.
O que é mais importante reter em Resnais é perceber que o tempo e a sua manipulação não residem somente na narrativa, no argumento, mas também, e profundamente na sua forma de narrar, nos movimentos de câmara, uso do som, a montagem evidentemente, mas também os enquadramentos, actores e formas como reúne todos os componentes da linguagem cinematográfica para criar uma gramática mais própria. Criar tempo e espaço com gramática.
Sé Resnais é um construtor de espaços, que espaço é este do filme “Je t’aime Je t’aime”? Este filme retrata a história de um homem que tentou o suicídio e sobrevive, é escolhido por um computador para ser a cobaia de uma experiência científica que consiste em viajar no tempo, para o passado, por um minuto. Esta experiência corre mal e aquele minuto multiplica-se por vários ou então é um minuto demasiado longo e os cientistas acabar por lhe perder o rasto.
A nível da forma existem coisas muito interessantes, uma delas é que na maior parte das sequências até à viagem no tempo começar, não temos planos aproximados de Claude, contudo temos planos que parecem ser semi-subjectivos dele. Na sequência do táxi logo no inicio, só existem grandes planos dos cientistas, mais á frente mesmo na clínica, este é filmado ao longe ou de costas. Porém quando se inicia o sonho abundam planos aproximados dele, como se todo o filme fosse trabalho sobre o ponto de vista de um homem que diz estar morto. É como se no passado, Claude já se conseguisse olhar nos olhos, e podemos vê-lo, enquanto a câmara no presente não o pode ver, porque ele é apenas um corpo. O papel que Claude tem como espectador do seu passo é uma espécie de metáfora do Cinema, em que estamos sentados sem puder fazer nada, só a absorver o que acontece, mas no fim temos uma espécie de mistura, o efeito da droga já passou e ele continua a viajar, num vai e vem. O encontro com o rato que viajava ao mesmo, que ele, na praia é mais uma das brincadeiras de Alain Resnais com as metáforas biológicas e temporais. Outro aspecto interessante é sem duvida o facto de os cortes na realidade serem muito mais abruptos e secos do que os na viajem no tempo. O acaso neste filme é também evidente, por acaso o computador escolhe-o a ele, e por acaso Claude e o Rato encontram-se, entre outros.
                Neste filme as imagens do passado não são tratadas de outra forma, são filmadas com a mesma textura e cor que as imagens do tempo presente. Esta escolha deliberada, o objectivo é que sejam ambas extremamente reais e presentes ao ponto de confundir o espectador. Isto coloca-nos a questão do poder da imagem, e do que está é e pode simbolizar em determinada sequência. Esta problemática é tratada pelo realizador em quase toda a sua cinematografia.
Com este filme de ficção cientifica de Alain Resnais pode querer-nos dizer que o ser humano é constituído na sua maioria pelas imagens, mesmo que reflexos, do tempo. As imagens que em nós permanecem mesmo depois da nossa ausência nesse tempo especifico.




Ana Costa nº 626 

A Woman Under The Influence - John Cassavetes


"Most people don't know what they want or feel. And for everyone, myself included, It's very difficult to say what you mean when what you mean is painful. The most difficult thing in the world is to reveal yourself, to express what you have to... As an artist, I feel that we must try many things - but above all, we must dare to fail. You must have the courage to be bad - to be willing to risk everything to really express it all." 
John Cassavetes

Mariana Fortuna, nº612 - Uma das maiores grandezas das obras de Cassavetes é o facto de as personagens se constituírem gesto a gesto e palavra a palavra à medida que o filme avança - elas fabricam-se a si próprias. Cada progresso do filme permite-lhes um novo desenvolvimento do seu comportamento, a sua duração própria, coincidindo exactamente com a do filme. As personagens moldam a história, tal como na vida real, são as nossas acções e atitudes perante as coisas que alteram o percurso das coisas, também nos filmes do Cassavetes isso acontece. As personagens de Cassavetes, moldam também a sua história e criam a sua própria estrutura.
Nos seus filmes há sempre um momento de grande intensidade e um desabamento “controlado”. Exemplo disso é o filme A Woman under the Influence. Neste filme o momento de grande intensidade é sentido antes da personagem da Gena Rowlands (Mabel) ser internada e o desabamento controlado ocorre no final, em que Nick e Mabel se aceitam um ao outro como são e percebem que não querem viver um sem o outro . Eles constantemente dizem e fazem a coisa errada. Mabel acha que pode perdoar as traições do marido, simplesmente porque ela quer o bem da família e ama o seu marido e os seus filhos acima de tudo; Nick quer controlar a esposa e simultaneamente celebrando e permitindo a sua loucura. Eles tentam curar-se a eles próprios: Mabel oferece para se tornar em tudo aquilo que o Nick quer que ela seja, curada e que assim possa voltar para o seu controlo. A personagem de Nick volta-se sempre sobre si mesmo, em que tem por intenção fazer o que é certo e melhor para todos: de Mabel, da mãe, os seus filhos e seus empregados. Mas no fim, nenhum deles está curado de si, e os problemas e os conflitos continuam a ser tão fortes como antes, mas a vontade de avançar e continuarem juntos, a viver com as consequências de amarem demais, está bem estabelecido. Para falar sobre a arte da hipérbole humana em Cassavetes, devem-se referir uma palavra: demasiado. Viver muito, amar muito, sentir muito, e passamos a ser aquele tipo de pessoas do filme. De alguma forma, nem Mabel nem Nick, por todas as suas imperfeições, podem ser facilmente previsíveis. A cada momento, independentemente da eventual reacção às suas palavras ou acções, os seus rostos transmitem uma tempestade de contemplação que nós simplesmente não podemos imaginar. Eles podem ser confundidos por cada um deles, ou por eles próprios, mas eles sabem mais do que nós. O melhor que podemos fazer é prestar atenção, criar empatia e identificar como qualquer pessoa decente humilde o suficiente para saber que não sabemos nada melhor.
A cinematografia de Cassavetes permite ao espectador alargar perspectivas, permite ao espectador centrar-se não apenas numa coisa mas fazer uma análise, em tudo à sua volta. Cassavetes põem um pouco de si em cada personagem, em cada história e consegue com que cada um de nós se coloque lá também não apenas de uma maneira superficial, como aquela que nos é permitida olhar para as personagens, mas como algo mais, algo profundo que não se retira apenas do filme, mas das nossas experiências, daquilo que vemos como o real e até onde experimentamos os nossos limites.
Nada em Cassavetes é esperado ou vulgar, é simplesmente o encontro com uma experiência nova, mais do que experimentar o limite experimenta ajuda a chegar ao real. Torna-se uma experiência única, em que através de cada plano, sabemos aquilo que enquanto espectador ainda não nos é permitido ver mas sim ir descobrindo. É uma experiência que se constrói em si mesma, sustentada não apenas pela base da narrativa, que se encontra apenas no presente, mas através das personagens, das acções, dos gestos e do fora de campo. A visão das coisas em Cassavetes, não se aproxima nem do imaginário ou do utópico, é simplesmente uma visão real das coisas, um retrato de situações reais, com personagens que poderiam ser reais, que têm um discurso e uma construção estilística que seja credível não só para ele próprio mas como para os actores que interpretam as suas personagens, e que as tornam suas como com que vida própria.
Cassavetes é assim um realizador único que não se esconde, nem tem medo, simplesmente arrisca e com isso mostrou que o cinema não é algo linear, mas sim algo que pode ser moldado e ser mais do que aquilo que à primeira vista é visto pelo espectador.

Vídeoarte e Cinema: Bill Viola




Andrea Solís Di miele (Erasmus)

Muitas vezes esquecemos que as artes sempre estão em constante flutuação e que nunca podemos delimitar com certeza os limites ou territórios definidos.

Em muitas ocasiões a arte está enjaulada por termos que designam aquilo que devemos ver e sentir, aquilo que devemos denominar dentro de um estilo, uma época e uma forma de fazer de um autor.

Após o visionado do documentário do Simon Schama´s com respeito à Rothko  e o comentário do professor com respeito as fotografias do Alberto García-Alix, pareceu-me acertado discorrer, mesmo que seja de forma sucinta da relação que se estabelece entre as artes e especificamente do que consideramos habitualmente como cinema e o que definimos como vídeoarte.

É sobressalente como existe grande quantidade de denominações para a arte feita com vídeo: vídeoarte, vídeo experimental, vídeo-instalação…, devemos reduzir este tipo de expressões a uma simples expansão das artes plásticas? Ou devemos constatar a sua importância para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica?

Para referir-nos a Bill Viola, deveríamos utilizar a palavra artista, cineasta ou vídeoartista? Até onde é que chega a tendência do ser humano para conceptualizar tudo aquilo o que lhe é alheio?

É evidente que o Bill Viola se serve de elementos provenientes da linguagem puramente cinematográfica como o zoom in e out, a câmara lenta e o close-up para desenvolver a sua arte. Actuando a câmara como um olho através do qual o espectador descobrira uma determinada forma de olhar com uma narrativa própria, e isso não é uma descrição genuinamente cinematográfica?

O Bill Viola afirmou numa entrevista à BBC que o seu trabalho “ tenta introduzir as pessoas às dimensões invisíveis da vida (...) invisíveis porque não são perceptíveis para nós, como as coisas que acontecem rápido demais para nós vermos”. Mas a sua obra não só faz visível o invisível, também é significativo o desejo de permanência e transcendência através da imagem, um sentimento comum a todas as artes.

As obras de Bill Viola, servem como reflexão da estética do natural na imagem e a sua própria evocação metafórica do interior do ser humano e, definitivamente, do interior desse espectador que numa sala escura (como no cinema) abstrai-se do mundo inteiro durante o momento que dura a sua observação particular.


Links:
Videos Bill Viola (MOMA)
Bill Viola Oficial Site