20 de dezembro de 2010

"The Atrocity Exhibition" J.G. Ballard

Como referi na última aula, penso que Ballard abordou muitas das problemáticas abordadas na cadeira. Decidi não escrever directamente sobre cinema no blog porque esta obra parece-me levantar questões essenciais a qualquer aluno de cinema.

“Internal Landscapes. Controlling the tremor in His left hand, Travis studied the thin-shouldered man sitting opposite him. Through the transom the light from the empty corridor shone into the darkened Office. His face was partly hidden by the peak of His flying cap, but Travis recognized the bruised features of the bomb pilot whose photographs, torn from the pages of Newsweek and Paris-Match, had been strewn around the bedroom of the shabby hotel in Earls Court. His eyes stared at Travis, their focus sustained only by a continuous effort. For some reason the planes of His face failed to intersect, as if heir true resolution took place in some yet invisible dimension, or required elements other than those provide by His own character and musculature. Why had he come to the hospital, seeking out Travis among the thirty physicians? Travis had tried to speak to him, but the tall man made no reply, standing by the instrument cabinet like a tattered mannequin. His immature but at the same time aged face seemed as right as a plaster mask. For months Travis had seen this solitary figure, shoulders hunched inside the flying jacket, in more newsreels, as an extra in war films, and the as a patient in a elegant ophthalmic film on nystagmus – the series of giant geometric models, like sections of abstract landscapes, had made him uneasily aware that their long-delayed confrontation would soon take place.”

Quem é pode ser este homem para além de um símbolo visual, de um dos muitos envolvidos numa Guerra não localizável, sem coordenadas, longínqua, de um outro universo inserido no nosso próprio mundo. Arrisco formular que a escrita fragmentária em Ballard (já que não existe uma ordem de leitura, cada parágrafo vale por si) prende-se com uma ideia de vivência fragmentária do mundo, que vive de linhas de fuga ao real através de ícones e imagens parciais e não objectivas do que é a globalidade. A própria geografia, história, comportamentos e reacções tornam-se fragmentários pela imagem fragmentária, mediática, que nos chega e a que temos acesso. Quão distante está o que se pode ver e a realidade objectiva? Baudrillard, no livro “A ilusão do fim”, afirma que um acontecimento ou um não acontecimento sobreexposto aos media é algo que será subexposto à memória. O que surge é uma amnésia veiculada através do ecrã, da fotografia parcial e manipulada - da noção de estarmos perto de tudo, em contacto directo com os acontecimento surge a imagem pornográfica e vazia que deixa de representar para passar a encenar. O símbolo passa a substituir o objecto, daí a importância que Baudrillard dá a Disneyworld em que há uma “prefiguração da inflexão real das coisas”, que congela uma ideia de real e que passa a viver por simulacros. Assim fica marcada uma alteração no homem moderno, que deixa de conseguir atingir a verdade ou uma realidade, que perde a história ou uma história. Baudrillard descreve esta impossibilidade de uma forma que teoriza o que Ballard ficciona, ao dizer que cada acontecimento impulsionado e difundido numa circulação total, é impulsionado para si só. A partir daqui um facto torna-se “atómico” seguindo um percurso até ao vazio. “Para ser difundido no infinito tem de ser fragmentado como uma partícula, assim podendo atingir uma velocidade de não regresso, que o afastará definitivamente da história”. Não existem lugares em Ballard, reina o não lugar sem tempo, que se mistura com outros espaços onde apenas é reconhecível um marco que também carece, ou que já perdeu, identidade ou significado. A questão da identidade dentro do livro é alguma coisa que já foi, o próprio homem aparece como um simulacro de um corpo. Com a constante referência a ícones como Marilyn Monroe, James Dean, Elizabeth Tayler ou Jack Kennedy, Ballard parece estar a fazer uma alusão a um novo inconsciente colectivo de tal forma saturado pelo símbolo que o incorpora irreflectidamente. Se pusermos lado a lado uma afirmação de Baudrillard e de Ballard percebemos facilmente esta ideia, tanto como a proximidade entre os dois.

Baudrillard : “...a passagem do espaço histórico para o espaço publicitário, passando os media a ser o lugar de uma estratégia temporal de prestígio... Foi assim que, com uma grande quantidade de imagens publicitárias, construímos uma memória de síntese que nos serve de referência primitiva, de mito fundador, e sobretudo nos dispensa do acontecimento real da revolução.”

Ballard: “The mass media created Kennedy we know, and his death represented a tectonic shift in the communications landscape, sending fissures deep into the popular psyche that have not yet closed”. Ballard – anotações de “Atrocity Exhibition”

Jack Kennedy aparece assim como um símbolo que não tem uma referência, que tem um carácter meramente iconográfico, libertando-se de qualquer relação com a pessoa que o gerou. Sob esta lógica de desprendimento Kennedy poderia nunca ter existido porque basta o acesso a uma formulação imaginada de uma identidade que é associada a uma cara / figura para que seja criada uma pessoa de raiz. Isto torna-se no expoente máximo da noção de Persona de Jung, porque a máscara aniquila a pessoa, substituindo-a, o que significa que o vazio ganha toda uma nova expansão, com uma tendência totalizante que caracteriza uma era que vive cada vez mais perto da noção de hiper-real em que “A simulação já não é a simulação de um território, de um ser referencial, de uma substância. É a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-real” . Ballard leva este hiper-real ao limite do apocalipse humano enquanto ser que pensa e sente por si. A própria experiência afectiva, ao tornar-se fragmentada, elimina-se em termos de pureza.



Maria Mendes nº 625