12 de janeiro de 2011

Der Himmel über Berlin
(As Asas do Desejo. Wim Wenders, 1987.)



            A obra de Wenders é povoada de rostos plurais, a proposta uma eterna viagem, uma eterna transição entre paisagens e culturas. Os seus personagens errantes vagueiam pelos caminhos sem destino definido, o foco de Wenders encontra-se no percurso, na viagem interior mais do que na narrativa.
            Der Himmel über Berlin marca o regresso do realizador à Alemanha depois de dez anos de ausência. Sob o olhar de dois anjos que vagueiam sobre Berlim temos acesso aos pensamentos intímos das personagens urbanas. A cidade toma a forma de uma Torre de Babel moderna onde reina a incomunicabilidade e onde maiores do que as fronteiras físicas (Muro de Berlim) surgem barreiras humanas cada vez mais sólidas. “Cada pessoa na Alemanha é um estado”, reflecte Wenders. A noção de divisão está presente durante todo o filme através das relações estabelecidas entre universos opostos: os dois lados do muro, o universo feminino e o masculino, registo a preto e branco e a cores, anjo e humano, material e imaterial, carnal e espiritual, etc. Na Berlim dividida de Wenders existem diálogos impossíveis entre mundos opostos (material e imaterial, anjos e humanos). A primeira hora do filme surge como uma sinfonia urbana, alternando entre as vozes interiores e o ruído de rádios e televisores. O olhar monocromático dos anjos reflecte um ideal de cinema para o realizador, um cinema que registe indiscriminadamente todos os fenómenos do mundo, todas as vozes e todos os pequenos acontecimentos quotidianos aos quais as personagens urbanas se tornaram cegas. 



            O filme evoca um estado de espírito de elegia, devaneio e meditação.[1] O registo não se compromete com a narrativa, existem possibilidades de narrativa, pequenos plot points mas o filme não se desenrola segundo as normas de causa-efeito.
            Os anjos vagueiam sobre a Terra desde o início do mundo, assistiram a tudo mas não participaram em nada. Damiel, o anjo, decide abandonar o seu ponto de vigia eterno para se tornar humano, para ter a possibilidade de sentir o tempo, de percepcionar a cor, de sentir o calor físico, de ter acesso aos mais pequenos prazeres do quotidiano humano e de amar.
            A ausência de narrativa, os efeitos de distanciação (registo monocromático e o registo a cores), a importância dada ao percurso mais do que ao objectivo, a presença do quotidiano, a interioridade e o ser, o cenário «dream like» do filme que torna a paisagem real numa espécie de paisagem interior, fazem com que este filme se situe na esfera do cinema “moderno”. 

Ana Ramos
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